Conclusões do Congresso Nacional da FFP - Recardães 2013



No mundo global de hoje, verifica-se que, cada vez mais, o ser humano necessita de momentos reflexivos sobre a sua ação em todos os seus domínios. No campo na cultura tradicional e popular, tal assume uma relevância acrescida, havendo necessidade de extravasar os muros que delimitam o nosso entendimento dos variados aspetos que englobam a nossa ação numa atitude de diálogo com outros agentes que connosco interagem. Deste diálogo poderão surgir sinergias potenciadoras de melhores desempenhos das entidades promotoras da salvaguarda e divulgação da cultura tradicional e popular dos portugueses.

Deste modo, promoveu a Federação do Folclore Português o seu Congresso Nacional subordinado ao tema «Sinergias na valorização do património cultural tradicional português» abordando matéria relacionada com as interações entre o movimento folclórico nacional, o turismo, as autarquias e os eleitos locais e, ainda, a relação entre os grupos de folclore e a museologia contemporânea.

Neste âmbito, os oradores convidados apresentaram pontos de vista esclarecedores e, por vezes, inesperados sobre a temática em apreço, focando as seguintes apreciações:

• Devido ao caráter empresarial do turismo, não existe, por parte desta atividade económica, um interesse em valorizar os agentes do movimento folclórico enquanto parceiros para a sua ação ou enquanto produto vendável. Em muito, contribui, para este facto, a falta de qualidade de alguns destes agentes. Existem, no entanto, algumas manifestações culturais locais que evidenciam algum potencial turístico residindo, aí, matéria a explorar;

• Por falta de reconhecimento do movimento folclórico por parte de algumas entidades oficiais (e mesmo dos seus responsáveis), caberá ao próprio movimento exigir o reconhecimento do seu devido valor. Tal apenas poderá surtir algum efeito através da manifestação de unidade e vontade coletiva no seio do movimento;

• Nesta sequência, compete ao poder local acarinhar e reconhecer o movimento folclórico, não como entidades subalternas submissas ao poder instituído, mas sim enquanto instituições suas parceiras, de plenos direitos, merecedoras de reconhecimento pela ação social e cultural que desenvolvem junto das suas comunidades;

• O poder local, presente no congresso, assumiu e reconheceu o seu dever de promoção e salvaguarda do seu património, enaltecendo o papel ativo dos grupos de folclore neste âmbito. Existem variadas modalidades de apoio autárquico para o processo de valorização do património e manifestações culturais. Exige-se, no entanto, que os agentes promotores sejam entidades organizadas, credíveis e devidamente legalizadas;
• Uma das formas de apoio avançadas, no âmbito do poder local, reside na ação museológica que cada vez mais o movimento folclórico sente necessidade de explorar. Neste âmbito, defende-se que os meios de que dispõem as autarquias locais (logísticos, humanos, técnicos e materiais) constituem um poderoso contributo para a concretização dos projetos propostos pelos grupos de folclore;
• De resto, uma ação museológica rigorosa, profissional e cuidada é uma exigência que se coloca para projetos desta natureza.

Daqui, surgiram algumas inquietações que foram alvo de reflexão em sede de grupos de trabalho, com incidência nas seguintes questões:
1. Partindo do princípio de que não existe, por parte do setor do turismo e das suas entidades oficiais, um sentido de reciprocidade na sua relação para com o movimento folclórico (havendo mesmo alguma indiferença em relação a este), que ações práticas e exequíveis podem os agentes do movimento folclórico levar a efeito de modo a retirar benefícios do turismo (nas suas diversas vertentes)?
2. Com o reconhecimento do papel preponderante das autarquias no processo de salvaguarda e divulgação do património tradicional e popular (aliás, presente nas atribuições e competências específicas para as autarquias), que procedimentos devem os agentes do movimento folclórico desencadear junto dos seus representantes eleitos no processo de valorização da cultura tradicional e popular?
3. No contexto da museologia contemporânea, que importância assume o acervo patrimonial reunido pelos agentes folclóricos e a própria ação museologia na atividade de um grupo de folclore?
4. No mundo atual, é reconhecido que, cada vez mais, se exige parâmetros de elevada competência em todas as atividades. No domínio do movimento folclórico nacional, como acha que se deve responder a esta exigência?

Da aturada reflexão, com base nas premissas supra referidas, foram tecidas, em termos gerais, as seguintes conclusões:
a) No espírito das premissas constantes na Declaração de Québec, de 2008, no âmbito do ICOMOS – UNESCO, subordinado ao tema da «preservação do espírito do lugar», caberá a cada comunidade e seus agentes e representantes locais (de entre os quais, os grupos de folclore), manter vivos o seu património, memórias e manifestações culturais, podendo estes constituir um verdadeiro produto turístico de qualidade. Reconhece-se que estes elementos e manifestações culturais são produtos endógenos muitas vezes exclusivos, e, por esse motivo, altamente apetecíveis para o setor do turismo. Estes poderão constituir um forte polo estratégico de intervenção para os grupos de folclore e um exemplo de eventuais sinergias a estabelecer entre os diversos agentes culturais e turísticos.
b) Existe, no seio do movimento folclórico nacional, uma crescente necessidade de criar mecanismos de sensibilização junto das instâncias do poder local de modo a fomentar maior intervenção deste no processo de salvaguarda dos espólios próprios dos grupos de folclore e do reconhecimento pelo seu trabalho.
c) Houve lugar à tomada de consciência, por parte dos congressistas, em sintonia com o defendido pelos representantes do poder local presentes no congresso, do papel de cidadania ativa preponderante que o movimento folclórico nacional detém a par do próprio exercício de «poder local» que desempenha no âmbito da defesa da res publica
.
d) O movimento folclórico nacional sente a necessidade de se fazer ouvir junto das instâncias oficiais e da comunicação social. Sente a necessidade de colocar em evidência a consciência do valor que este detém, a todos os níveis. Devem, por isso, os representantes deste movimento, em especial a Federação do Folclore Português, envidar esforços na promoção e assunção de um diálogo regular com os órgãos de poder nacionais e com a comunicação social para este fim.
e) Constatou-se, por todos os presentes, a necessidade de aquisição de competências, a todos os níveis, pelos grupos de folclore, de modo a produzir uma oferta cultural qualificada. Não apostando nesta vertente porá em causa o reconhecimento de todo o trabalho desenvolvido pelo movimento folclórico nacional no seu todo.

O Congresso concluiu os trabalhos com a consciência de que existe um valor inquestionável do trabalho abnegado e valioso que os grupos de folclore desempenham em prol da salvaguarda e promoção da cultura tradicional e popular portuguesa. Existem meios ao seu dispor, novos percursos a trilhar e sinergias a conceber e concretizar. Está, pois, lançado o repto a todos os agentes promotores da salvaguarda da cultura tradicional e popular e do nosso património, para que recorram ao engenho e à arte para trilhar novos caminhos e encetar novas abordagens na sua missão de valorização e divulgação da nossa identidade enquanto povo.

Recardães - Águeda, 01 de Dezembro de 2013.

Federação do Folclore Português.

Comentários

Mensagens populares